domingo, 1 de novembro de 2009

A Ciência e a Criação

Um "Cheiro" de Vó















Quando solicitado por meu orientador Eguimar a tecer um texto sobre o meu processo de criação e a minha pesquisa "Corrente das Águas: o vale en-Cerrado", agora regada e regrada pelo mestrado em Geografia, fiquei em estado de mergulho.

A princípio preocupei-me em resgatar autores e grandes teóricos que me forneceram álibis para edificar cada degrau de minha trajetória intelectual. Seria isso? Para além da superfície transitória de teorias acadêmicas, resolvi mergulhar mais profundamente, lá no seio das águas cristalinas do Cerrado baiano, e quando me encontrava quase sem fôlego surgiu como emblema a figura de minha avó materna, Dona Virgínia Maria Caetano.

Sob esse estado de mergulho estive até então e o buscarei sempre que necessário. Em suas etapas afunilantes e, posteriormente, libertadoras, o mergulho é via para as falas velhas de um conhecimento nobre e grandioso. Um simples toque no outro que você já foi e pronto! A densidade líquida cede-lhe acesso a um mundo que está em você. Eis, então, a chave de minhas grandes descobertas.

Partindo da idéia pautada no respeito e admiração pela mãe de “mainha” e, também, por seu mérito em conquistar cada discípulo anonimamente, faço o cálculo da grande influência que a velhinha despeja sobre minha pessoa. Velhinha? Falando assim dou margem para que se imagine a fragilidade postulada em uma pessoa, não é? Chamar de “velhinha” uma mulher de 92 anos, viúva há 27, mãe de 16 filhos, avó de 45 netos, com 57 bisnetos e 4 tataranetos seria incoerência.

Quando nasci a encontrei no mundo com 68 anos de idade, sendo de sua última leva de netos recebi como boas vindas um afago adocicado pelo tempo, pelas rugas e pela dor de algumas perdas. Nessa fase setentina de sua vida, o tempo já lhe dava o alvará para produção de um “cheiro” de Vó, o que para nós, nordestinos, representa mais que um beijo ou simples carinho. Um “cheiro” é a aplicação sintetizada de vários afagos, um breve vai-e-vem de pele, perfume e calor humano.

Em minha adolescência, trafegando e pousando constantemente na casa de Vó, percebi quão poderosa cientista tinha comigo. Em coisas simples da vida surgiam lições filosóficas, fórmulas químicas, conceitos geográficos, teorias antropológicas e teses históricas. Vó é a síntese boa que o Cerrado deu para um povo que viveu no tempo e espaço mais que especiais. Cercados por rios maravilhosos, esse povo cultivou a terra, a teve nas mãos com dignidade e, hoje, existe um quê de memória “cerradeira” em cada poro que se abre por ali.

Redescobrir isso em mim, dessa maneira, aconteceu mais recentemente. Um fato relevante para minha pesquisa foi perceber que os rios de Correntina estão em minhas veias, herdados genética e historicamente. Por isso, é inegável que a grande referência biográfica que contorna meu tímpano absorsor da criatividade mundana é essa cientista nascida às margens do Rio do Meio. E do meio do Cerrado baiano, sem currículo Lattes e nunca fomentada pela Capes ou CNPq, Vó me ensinou e ensina muitas coisas, inclusive que “a noite é escura e a candeia Alumeia. Alumeia, Alumeia, Alumeia...”

Leandro Caetano de Magalhães [24/04/2009]