domingo, 6 de dezembro de 2009

Condição













Eu que nasci nu,
Visto a roupa mundana.

Eu que nasci estrangeiro,
Não aprendo a língua desse universo.

Eu que nasci expulso,
Abraço o útero paterno.

Eu que nasci anatômico,
Mergulho no corpo-mistério.

Eu que nasci do gozo,
Vivo uma morte parcelada.

Eu que nasci gente,
Animalizo a civilização!

Eu que nasci sangue,
Caminho e sopro a emoção...


[Leandro Caetano]

domingo, 1 de novembro de 2009

A Ciência e a Criação

Um "Cheiro" de Vó















Quando solicitado por meu orientador Eguimar a tecer um texto sobre o meu processo de criação e a minha pesquisa "Corrente das Águas: o vale en-Cerrado", agora regada e regrada pelo mestrado em Geografia, fiquei em estado de mergulho.

A princípio preocupei-me em resgatar autores e grandes teóricos que me forneceram álibis para edificar cada degrau de minha trajetória intelectual. Seria isso? Para além da superfície transitória de teorias acadêmicas, resolvi mergulhar mais profundamente, lá no seio das águas cristalinas do Cerrado baiano, e quando me encontrava quase sem fôlego surgiu como emblema a figura de minha avó materna, Dona Virgínia Maria Caetano.

Sob esse estado de mergulho estive até então e o buscarei sempre que necessário. Em suas etapas afunilantes e, posteriormente, libertadoras, o mergulho é via para as falas velhas de um conhecimento nobre e grandioso. Um simples toque no outro que você já foi e pronto! A densidade líquida cede-lhe acesso a um mundo que está em você. Eis, então, a chave de minhas grandes descobertas.

Partindo da idéia pautada no respeito e admiração pela mãe de “mainha” e, também, por seu mérito em conquistar cada discípulo anonimamente, faço o cálculo da grande influência que a velhinha despeja sobre minha pessoa. Velhinha? Falando assim dou margem para que se imagine a fragilidade postulada em uma pessoa, não é? Chamar de “velhinha” uma mulher de 92 anos, viúva há 27, mãe de 16 filhos, avó de 45 netos, com 57 bisnetos e 4 tataranetos seria incoerência.

Quando nasci a encontrei no mundo com 68 anos de idade, sendo de sua última leva de netos recebi como boas vindas um afago adocicado pelo tempo, pelas rugas e pela dor de algumas perdas. Nessa fase setentina de sua vida, o tempo já lhe dava o alvará para produção de um “cheiro” de Vó, o que para nós, nordestinos, representa mais que um beijo ou simples carinho. Um “cheiro” é a aplicação sintetizada de vários afagos, um breve vai-e-vem de pele, perfume e calor humano.

Em minha adolescência, trafegando e pousando constantemente na casa de Vó, percebi quão poderosa cientista tinha comigo. Em coisas simples da vida surgiam lições filosóficas, fórmulas químicas, conceitos geográficos, teorias antropológicas e teses históricas. Vó é a síntese boa que o Cerrado deu para um povo que viveu no tempo e espaço mais que especiais. Cercados por rios maravilhosos, esse povo cultivou a terra, a teve nas mãos com dignidade e, hoje, existe um quê de memória “cerradeira” em cada poro que se abre por ali.

Redescobrir isso em mim, dessa maneira, aconteceu mais recentemente. Um fato relevante para minha pesquisa foi perceber que os rios de Correntina estão em minhas veias, herdados genética e historicamente. Por isso, é inegável que a grande referência biográfica que contorna meu tímpano absorsor da criatividade mundana é essa cientista nascida às margens do Rio do Meio. E do meio do Cerrado baiano, sem currículo Lattes e nunca fomentada pela Capes ou CNPq, Vó me ensinou e ensina muitas coisas, inclusive que “a noite é escura e a candeia Alumeia. Alumeia, Alumeia, Alumeia...”

Leandro Caetano de Magalhães [24/04/2009]

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mainha



Mainha
Menina, moça.
Matrícula do mistério.
Mar-manso-margem,
Metáfora de mim.

Mainha
Morada minha.
Manto da memória.
Mergulho, momento, mundo.
Milagre metamórfico.

Mainha
Moleca madura.
Manha da manobra:
Medida, munida, moldada.
Minha metade maior...

Mainha
Minha mãe.
Movimento do mito.
Mente, marco, magia.
Magnífica mulher!

[de Leandro para Terezinha Caetano]

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

performance














Há uma grandeza em mim.

Mora, viaja, abandona.

Há um critério que ronda.

Permeia, norteia, requere.


Há um mundo que protege.

Espera, concebe.


Há uma corrente que une.

Elo, ele e ela.


Há um sopro que age.

Trafega, inspira.


Há uma dúzia de dúvidas.

Universo aspirina:


Ergue, mergulha, brilha.


[Leandro Caetano]

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ingenuidade



Naquele dia tirou os sapatos,
os colocou no canto da sala e voou dali...
Sua janela visionária era alta e seu vôo se fez soprado.

Tinha sonhos adormecidos
e gostava de observar formigas diabéticas pela rua.
E o gosto de gostar era sal de saliva.

A língua na pele do mundo...
Deslizava,
encontrando outros tantos cantos de sala,
E em cada sala sapatos ingênuos.

[Lorranne Gomes e Leandro Caetano]

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Cenário



Deu trabalho, mas ele conseguiu.
Peça por peça foi carregada e encaixada em seu devido lugar.
Ao final, tínhamos aquelas belezuras de cores e artifícios.
Muita gente ansiosa pelo show. E assim aconteceu.

Cenas - Palmas - Tchau!

Eu não estava lá depois disso. Ninguém quer estar!
Peça por peça foi carregada e desencaixada
do seu já indevido lugar.
Custou, mas ele conseguiu. Cenas para os outros.
O cenário é assim mesmo, já se conformou com o seu papel...

[Leandro Caetano]

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sobre a Alma (psyché)

O pensamento platônico e suas influências

Compreendendo a concepção platônica de alma (psyché) como imortal; dotada de razão, vontade e desejo (alma tripartida) e como substância imaterial originária do mundo das idéias, verificamos nessa concepção o reflexo do pensamento de filósofos anteriores.

A partir da tradição da filosofia grega, desde os poemas homéricos, já havia uma inquietação humana acerca da origem e essência da vida. Para o próprio Homero a concepção de corpo e alma era única. Já para os filósofos naturalistas, no período pré-socrático, a origem da psyché está diretamente vinculada aos elementos da natureza (ar, água, fogo e terra). Tales de Mileto considerava a água como elemento fundamental e no qual todas as coisas encontravam seu início e fim. Anáximenes elegeu o ar como elemento fundante de todas as coisas, explicando o processo através sua dilatação e condensação. Assim como eles, outros naturalistas explicaram a alma através do éter e do pó, por exemplo.

Além dessa preocupação materialista da alma, dada pelos outros naturalistas, Heráclito introduziu a noção de consciência na psyché por meio do fogo (logos). Para ele o logos é ilimitado e tem a possibilidade de se expandir. A partir desse pensamento de alma além da matéria encontramos traços que estarão presentes no pensamento platônico. Assim como em Heráclito, em Diógenes e Demócrito também há essa alma dotada de um princípio racional. Para Diógenes, assim como para Anaxímenes, o ar é origem da psyché, mas com a presença da inteligência. Demócrito introduz a teoria atômica e diz que o corpo e a alma são dotados de átomos da mesma natureza material, porém sendo a alma composta por átomos mais sutis e perfeitos. Até então as cosmogonias eram a base para a explicação do mundo e suas origens que, gradativamente, foram sendo substituídas pelas cosmologias e seus princípios racionais. Para que acontecesse esse rompimento total entre o mito e a razão, o papel da alma (psyqué) era imprescindível. Por isso Demócrito, antes de Sócrates, já enfatizava o "cuidado com a alma".

Como discípulo direto de Sócrates, Platão absorveu os princípios básicos de alma que seu mestre defendia. Para Sócrates, a alma é dotada de virtude e deve sempre buscar a verdade, tendo esta como a perfeição. O corpo, em Sócrates é tido como prisão da alma e esta deve superar os vícios, paixões e as distrações provocadas pelos sentidos. Aqui o "cuidado com a alma" é entral e pode ser exemplificado pela tranquilidade do próprio Sócrates diante de sua morte.

A psyché em Platão é tratada em seu pensamento como tendo três partes: racional; irascível e concupiscível. Essa alma tripartida se distribuiria no corpo humano também em três partes, respectivamente: cabeça; peito e baixo ventre correspondendo à razão, vontade e desejo humanos. Em suas abordagens alusivas quanto à alma, Platão também traz a alegoria da classificação da distribuição dela em uma carroagem composta pelo cocheiro (razão), pelo cavalo branco (irascível) e pelo cavalo preto (concupiscível). Nessa concepção alegórica, o encontro da verdade é tratada por Platão como a representação da perfeição. O processo de busca dessa verdade, que está no mundo das idéias, é o que classificaria o destino da encarnação das almas: corpos de homens, para os que alcançaram parte da verdade ou corpos de animais para os que não chegaram até ela.

Assim, o pensamento platônico, no que diz respeito à psyqué, é fortemente influenciado por Sócrates e, alguns filósofos pré-socráticos, porém Platão consegue desvencilhar o corpo da alma criando um lugar exclusivo para elas. E, em sua classificação, o lugar mais perfeito, o Hades, só seria alcançado pelo verdadeiro filósofo.

Rafaela Teixeira Álvares
e Leandro Caetano

[acadêmicos do 1º período de Psicologia na UFG, em 07/05/2009]


Obs.: Esse texto, aqui apresentado em íntegra, foi produzido como resposta para a avaliação da disciplina "Filosofia e Psicologia I" ministrada pela profª Drª Rita Márcia M. Furtado.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Geografiando



Para falar de Geografia,
Em tempos atuais,
É preciso perceber
Os mundos desiguais...
E por isso vou afiar
Para não desafinar
O motivo que aqui me traz.



Já dizia Drummond
Em sua poesia:
"O que é o homem
Senão uma Geografia?"
Ele disse da concepção,
Eu falo do povão
Que caminha todo dia!


Conhecer o espaço
Para poder organizar
É função da Geografia,
Papel do homem repensar.
E é isso que eu acho
Porque somos um riacho
Que no rio vai desaguar...


Para entender o sistema
E o seu potencial,
O estudo da Geografia
Nos aponta o capital
Como fonte de ambição,
Que leva a civilização
A uma vida desigual.

Conquistar a liberdade
E pisar no seu chão,
É a idéia que move
O surgimento de uma nação.
E foi assim que o Conselheiro
Se tornou um espelho
No coração do Sertão!

O mundo já sente
A grande contradição,
Que vivemos nesse momento
De muita aflição.
Se tornando a Terra
O palco da guerra
Que oprime a população!

Para tecer a grande rede
Fio-a-fio vou amarrando,
E a pangéia acontece
Porque estou geografiando!
E no grande continente,
Plantaremos a semente
Que o futuro irá regando...

Não encare este ato
Como falta de verdade,
Pois a minha intenção
É mostrar à sociedade
Que uma boa formação,
Pode gerar revolução
E trazer a liberdade!

[Leandro Caetano - 2004 - cursando 1º ano de Geografia na UFG]

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ainda sem nome

De vez em vez apareço por aqui,
Numa ordem ancestral.
Me mascaro de sujeito:
Beltrano, Fulano de Tal...


De quando em quando sou fresta
Ritual de passagem.
Sou gente do nada,
Sou gente bagagem.




Mas, intenso e vivedor

Num elã infinito.
Meu mundo rachado,
Meu mundo bonito...

No corredor translado

Já fui muito por aí:
Riso, voz, agonia;
Máquina, puta e saci!

[Leandro Caetano]

quinta-feira, 4 de junho de 2009

3ª Oficina da Imaginação

TEMA:
"Caminhantes Contemporâneos
nos Espaços Contraditórios"

Aconteceu dia 03/06/2009 - Geografia / UFG

PARTICIPAÇÕES:
Brasigóis Felício, Denis Castilho, Gadiego Cieser, Pablo Sebastian, Lorranne Gomes, Eguimar Felício Chaveiro e Grupo Boca de Ema


Veja o Vídeo:

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Ur-banidade












A Cidade está inacabada.
Fomos ontem mesmo às obras brutas
e tudo parecia barro cru.

Estão sugerindo cortinas, paredes tortas e remotas.
Velhas tomadas
para abafar concretos retos. Discretos.

Somos, ao meio, divididos pelo cansaço alegre

e pela sorte de sobreviver dia por dia. Melancolia...

Onde estão os ventos rebeldes?
Nos lugares vazios?

O belo é condição dos tempos novos.
E nós? Esqueletos armados?

Mas, pelo que dizem,
a ladeira verde continuará a sua descida
e nós – pálidos de morte – viveremos até a partida.

A Cidade está faminta! Sedenta... Do quê nos alimenta?

São regras vândalas do cotidiano morno.
Com os caminhos banidos,
Sãos e Mortos até o retorno!


[Leandro Caetano e Gadiego Cieser]

domingo, 24 de maio de 2009

Quintal

























Se o sabor está acima da semente,
Eu quero ir até o cerne!

Vida mágica essa, de estar encapada.
Casca do mundo, finosa e frágil.

Quero mundo, quero muda.
Quero sabor-semente, somente-sabor!

Ser a fruta peregrina da etapa vital.
Ser o avesso de fora
E ocupar o gosto "de vez".

Decerto, ser a língua fundamental;
A água na boca, o olho pedinte.
O sabor final!

[Leandro Caetano]

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Laranja dos Meninos remelentos
















Certo dia incuti em usar, sistematicamente, meus poderes sensíveis. Isso mesmo! De repente, quando ninguém esperava, cismei em curiar tudo em volta - incluindo os eteceteras que não eram de minha conta. Ouvia os travesseiros acordados, cheirava cada recém-comida e mordia, saborosamente, a pele alheia, às vezes com um leve pretexto de acariciamento. Tudo era realizado mais do que se devia. Nessa fase, já sentia que havia feito uma descoberta metodológica incrível. E, agora, sei que ela, mesmo sendo de caráter pseudoinfantil, foi o cerne do meu primeiro movimento para a realização de uma pesquisa baianocientífica.

A questão principal era saber como os sentidos estavam no meu modo de apreender a realidade. E quem era essa tal realidade? Pra mim ela só se manifestava no exato momento em que mainha me sacudia na cama e dizia: - Acorda meu filho, senão vai chegar atrasado na escolinha! E dentre as poucas coisas que me lembro das matutinas aulas de alfabetização (além do fato de serem matutinas) era das estrelinhas que ganhei algumas vezes por ser um garoto comportado. Dessa fase herdei uma trajetória de estudante-matuto que estendeu-se por boa parte de minha vida escolar.

Deixando os traumas de lado e voltando aos critérios de minha primeira pesquisa, passei a recolher referenciais teóricos por toda parte e, assim, todo adulto que se prezava era digno de uma fonte teórico-metodológica. Era admirável, por exemplo, como minha Vó Santa conseguia fazer a gente comer toda comida no prato, sob a seguinte ameaça: - Se não comer tudinho seus filhos vão nascer remelentos! E eu, mesmo comendo tudo, até hoje tenho medo de ter filhos com eternas conjuntivites... Já Vó Virgínia, um pouco mais estratégica e generosa em distribuições alimentícias, conseguia espalhar frutas vespertinas para toda a renca de netos, usando a seguinte assertiva: - Vai ali, pro canto da casa, e come escondido... Essa aqui já é a derradeira e não vai dar pra todo mundo! E de repente, quando me sentia o mais privilegiado dos meninos pidões, via chegando outros primos no tal “esconderijo” com a faca na mão e a laranja no seio, certos de terem recebido uma das coisas mais raras do mundo.

Pois bem, tendo esses exemplos de poderosos métodos de captação e manipulação da realidade, resolvi continuar minha pesquisa investigando a sensibilidade alheia acerca dos elementos básicos do planeta: Água, Terra, Ar e Fogo.

Mainha, que sempre teve fobia de Água em grande quantidade, recebeu meu primeiro questionamento sobre sua predileção dentro desses elementos. E a resposta foi exata: o FOGO. Logo mainha que era tão calma e serena optou pelo Fogo avassalador que, de acordo com ela, a enfeitiça com suas chamas. Daí entendi o porquê dela ter escolhido painho como o seu esposo. Ele que é o próprio AR em pessoa: leve e imprevisível; com o poderoso dom de alimentar o Fogo e refrescar as cucas (femininas) cheias de preocupações.

Surpreso com minhas primeiras conclusões, continuei investigando sobre a Água e a Terra. E esses são os mais danados. Precisei crescer, mudar-me para Go
iânia, cursar Geografia e na labuta da confecção do documentário “Guerra e Paz no Sertão dos Gerais” obtive respostas sobre a Terra. E essa já era uma categoria em disputa no Cerrado baiano. E a Água? Ah! A Água... Essa está infiltrada em minhas veias e nesse momento estou em processo de doação e recepção desse sangue vital, realizando o meu novo documentário e pesquisa “Corrente das Águas: o vale en-Cerrado”. E nesse mergulho conto com vocês, com as laranjas e com os meninos remelentos...

[Leandro Caetano]