domingo, 8 de agosto de 2010

O Mistério das Águas




No tempo de encontrar, veio-me com o desejo de apresentar parte daquele mundo desconhecido, parte de sua também busca.

Era meu pai. Meu e de tantos outros. Mas, meu pai.

As quatro rodas da caminhonete, aos pares, anunciavam uma parceria bela e necessária. Aguardada.

Quem mais poderia me levar até o encontro das águas do Rio do Meio com o Rio Guará? Quem mais cartografaria o chão daquele Cerrado, humano e desafiador, e me entregaria a sua carta de mergulho?


Meu pai. Meu e de tantas aventuras. Painho.

Saímos naquela manhã com o propósito de registrar as gotas velozes de dois rios que, literalmente, se encontravam ao norte daquele município. Para uma Correntina que estava além do Santo Antônio e para cá do São Desidério, fomos. Levando um saco com petas, bananas e pães. Levávamos também água para beber, uma filmadora para filmar e um facão para cortar.

Eu levava um pai, ele um filho.

A estrada percorremos com paradas. 
O caminho trilhamos intensamente.

Atendendo aos desejos ora de um, ora dos dois, contemplamos a paisagem daquele Cerrado bulido, morador nos moradores. Encontramos uma mãe e uma filha, catadoras de lenha, tal qual nós, parceiras de labuta. Antes de as caronear em nossas rodas e de avexar o destino carvoeiro daquelas lenhas, eu vi águas desnudas, que de tão transparentes eram fingidas. Fingiam nem estarem sobre o chão. Fingiam ser o próprio chão, alterado por águas passadas. Camaleando o meu rosto nessas águas, Painho molhou o seu. Naquele riacho anônimo, refletindo o calor de um itinerário genético, eu vi o meu nome, senti o meu sangue.


Chegamos num limite do estradar e cruzamos a ponte do Rio do Meio e, no delta daquela barra, andamos. Como quem percorria um labirinto de águas, não sabíamos em qual dos rios chegaríamos primeiro. Muito menos sabíamos qual daqueles dois rios que receberia o outro em seu leito.Ao encontrarmos a margem do Rio Guará, acompanhando suas correntezas, contemplamos um azul transparente, um rio com cheiro de Gerais. Até que recebemos aos ouvidos o barulho de outras águas. Era ele, o Rio do Meio. Chegando sutilmente, mas não menos belo e apressado.

Aquele encontro não era o único. Após debatermos sobre as inúmeras possibilidades da mistura das águas, eu e Painho também nos encontramos. Talvez pela primeira vez... E encontro se dá quando aceitamos os mistérios do outro. Quando destituímos nossas próprias certezas. Entendi que em Painho mora o vaqueiro Bento, seu pai, o feiticeiro Silivéro, seu avô. Quem em mim Painho mora. E que nós, inevitavelmente, nos moramos.

Ao me deparar com o mistério cerradeiro das águas, entendi a imensidão de ser filho, a imensidão de ser quem se é. E que somos!

Assim como as águas, seguimos por diferentes lugares, transformando-nos a cada curva... E saciamos os outros tal como uma sede, com goles particulares de mistérios...

“Leva no teu bumbar
Me leva
Leva que quero ver meu pai
Caminho bordado à fé
Caminho das águas
Me leva que quero ver
Meu pai...”  [Caminho das Águas - Rodrigo Maranhão]

De Leandro Caetano (Rio das Éguas)
Para Enis Magalhães (Rio Arrojado)