No tempo de encontrar, veio-me com o desejo de apresentar parte daquele mundo desconhecido, parte de sua também busca.
Era meu pai. Meu e de tantos outros. Mas, meu pai.
As quatro rodas da caminhonete, aos pares, anunciavam uma parceria bela e necessária. Aguardada.
Quem mais poderia me levar até o encontro das águas do Rio do Meio com o Rio Guará? Quem mais cartografaria o chão daquele Cerrado, humano e desafiador, e me entregaria a sua carta de mergulho?
Meu pai. Meu e de tantas aventuras. Painho.
Saímos naquela manhã com o propósito de registrar as gotas velozes de dois rios que, literalmente, se encontravam ao norte daquele município. Para uma Correntina que estava além do Santo Antônio e para cá do São Desidério, fomos. Levando um saco com petas, bananas e pães. Levávamos também água para beber, uma filmadora para filmar e um facão para cortar.
Eu levava um pai, ele um filho.
A estrada percorremos com paradas.
O caminho trilhamos intensamente.
Atendendo aos desejos ora de um, ora dos dois, contemplamos a paisagem daquele Cerrado bulido, morador nos moradores. Encontramos uma mãe e uma filha, catadoras de lenha, tal qual nós, parceiras de labuta. Antes de as caronear em nossas rodas e de avexar o destino carvoeiro daquelas lenhas, eu vi águas desnudas, que de tão transparentes eram fingidas. Fingiam nem estarem sobre o chão. Fingiam ser o próprio chão, alterado por águas passadas. Camaleando o meu rosto nessas águas, Painho molhou o seu. Naquele riacho anônimo, refletindo o calor de um itinerário genético, eu vi o meu nome, senti o meu sangue.
Chegamos num limite do estradar e cruzamos a ponte do Rio do Meio e, no delta daquela barra, andamos. Como quem percorria um labirinto de águas, não sabíamos em qual dos rios chegaríamos primeiro. Muito menos sabíamos qual daqueles dois rios que receberia o outro em seu leito.Ao encontrarmos a margem do Rio Guará, acompanhando suas correntezas, contemplamos um azul transparente, um rio com cheiro de Gerais. Até que recebemos aos ouvidos o barulho de outras águas. Era ele, o Rio do Meio. Chegando sutilmente, mas não menos belo e apressado.
Aquele encontro não era o único. Após debatermos sobre as inúmeras possibilidades da mistura das águas, eu e Painho também nos encontramos. Talvez pela primeira vez... E encontro se dá quando aceitamos os mistérios do outro. Quando destituímos nossas próprias certezas. Entendi que em Painho mora o vaqueiro Bento, seu pai, o feiticeiro Silivéro, seu avô. Quem em mim Painho mora. E que nós, inevitavelmente, nos moramos.
Ao me deparar com o mistério cerradeiro das águas, entendi a imensidão de ser filho, a imensidão de ser quem se é. E que somos!
Assim como as águas, seguimos por diferentes lugares, transformando-nos a cada curva... E saciamos os outros tal como uma sede, com goles particulares de mistérios...
“Leva no teu bumbar
Era meu pai. Meu e de tantos outros. Mas, meu pai.
As quatro rodas da caminhonete, aos pares, anunciavam uma parceria bela e necessária. Aguardada.
Quem mais poderia me levar até o encontro das águas do Rio do Meio com o Rio Guará? Quem mais cartografaria o chão daquele Cerrado, humano e desafiador, e me entregaria a sua carta de mergulho?
Meu pai. Meu e de tantas aventuras. Painho.
Saímos naquela manhã com o propósito de registrar as gotas velozes de dois rios que, literalmente, se encontravam ao norte daquele município. Para uma Correntina que estava além do Santo Antônio e para cá do São Desidério, fomos. Levando um saco com petas, bananas e pães. Levávamos também água para beber, uma filmadora para filmar e um facão para cortar.
Eu levava um pai, ele um filho.
A estrada percorremos com paradas.
O caminho trilhamos intensamente.
Atendendo aos desejos ora de um, ora dos dois, contemplamos a paisagem daquele Cerrado bulido, morador nos moradores. Encontramos uma mãe e uma filha, catadoras de lenha, tal qual nós, parceiras de labuta. Antes de as caronear em nossas rodas e de avexar o destino carvoeiro daquelas lenhas, eu vi águas desnudas, que de tão transparentes eram fingidas. Fingiam nem estarem sobre o chão. Fingiam ser o próprio chão, alterado por águas passadas. Camaleando o meu rosto nessas águas, Painho molhou o seu. Naquele riacho anônimo, refletindo o calor de um itinerário genético, eu vi o meu nome, senti o meu sangue.
Chegamos num limite do estradar e cruzamos a ponte do Rio do Meio e, no delta daquela barra, andamos. Como quem percorria um labirinto de águas, não sabíamos em qual dos rios chegaríamos primeiro. Muito menos sabíamos qual daqueles dois rios que receberia o outro em seu leito.Ao encontrarmos a margem do Rio Guará, acompanhando suas correntezas, contemplamos um azul transparente, um rio com cheiro de Gerais. Até que recebemos aos ouvidos o barulho de outras águas. Era ele, o Rio do Meio. Chegando sutilmente, mas não menos belo e apressado.
Aquele encontro não era o único. Após debatermos sobre as inúmeras possibilidades da mistura das águas, eu e Painho também nos encontramos. Talvez pela primeira vez... E encontro se dá quando aceitamos os mistérios do outro. Quando destituímos nossas próprias certezas. Entendi que em Painho mora o vaqueiro Bento, seu pai, o feiticeiro Silivéro, seu avô. Quem em mim Painho mora. E que nós, inevitavelmente, nos moramos.
Ao me deparar com o mistério cerradeiro das águas, entendi a imensidão de ser filho, a imensidão de ser quem se é. E que somos!
Assim como as águas, seguimos por diferentes lugares, transformando-nos a cada curva... E saciamos os outros tal como uma sede, com goles particulares de mistérios...
“Leva no teu bumbar
Me leva
Leva que quero ver meu pai
Caminho bordado à fé
Caminho das águas
Me leva que quero ver
Meu pai...” [Caminho das Águas - Rodrigo Maranhão]
Leva que quero ver meu pai
Caminho bordado à fé
Caminho das águas
Me leva que quero ver
Meu pai...” [Caminho das Águas - Rodrigo Maranhão]
De Leandro Caetano (Rio das Éguas)
Para Enis Magalhães (Rio Arrojado)
7 comentários:
Nossa, que texto lindo...uma genuína prosa poética, que tanto me encanta!!!
"...E que nós, inevitavelmente, nos moramos..."é de uma delicadeza e verdade imensas.
Muito bom.
bjos
FLÁVIA APPEL COLVERO (via email)
Se um dia eu vir a dizer que me orgulho de conhecê-lo, eu menti, aliás eu minto sempre que falo de você, homem maior que os outros homens, e minto pois sempre falo de você como você foi, como estava da útima vez que nos vimos, do seu útimo texto que li. Você é uma das raras pessoas daquelas que são sempre quem agente conhece/desconhecendo.
Raras e belas letras, parabéns, você fica elegante vestido de poeta.
Abraços
ADEMIR CASTORINO (via email)
Leo, muito bonito, simples e singelo. O mais importante foram os laços invisíveis que foram aprofundados e o respeito quando compreendemos cada um de acordo aquilo que ele veio ser.
Parabéns!
Um beijo,Patti.
PATRÍCIA CAETANO (via email)
Lindo!! Fez parecer que vocês têm uma afinidade recíproca!!
Beijo mano.
CHARLESTON ARAÚJO (via email)
Espero que dentre seus inúmeros "fãns" ainda haja vaga para o posto de fã nº 1... Sou eu. Um mega beijo.
CRISTINA CAETANO (via email)
Leandro
Somente agora li o seu texto. Fiquei muito emocionado talvez por três motivos: o tema pai, universal e freudiano, me pega. A sua narrativa com o tratamento do seu estilo entre o grau máximo de poesia e a sensata lucidez e, especialmente, pelo conteúdo tal como neste trecho: "E encontro se dá quando aceitamos os mistérios do outro. Quando destituímos nossas próprias certezas. Entendi que em Painho mora o vaqueiro Bento, seu pai, o feiticeiro Silivéro, seu avô. Quem em mim Painho mora. E que nós, inevitavelmente, nos moramos."
Foi muito bom ler a sua crônica. Ah, desde sempre gosto do verso de Gil: O MELHOR DE MIM É O MISTÉRIO. Você é baiano pelas águas do Corrente, pela cor e pela origem; pelo jeito e pelo mistério. Caetano Veloso diria: VOCÊ É UMA PONTE ESTREITA ENTRE OS GERAIS BAIANO E O CERRADO GOIANO, ALGO COMO A ÁGUA QUE A TUDO ALEGRA NO VATICÍNIO DAS IMENSIDÕES.
abs
EGUIMAR FELÍCIO CHAVEIRO (via email)
Léo,
Li, me emocionei e chorei... lindo!
Já imprimi, vou ler e entregar para painho.
bjo
VALÉRIA CAETANO (via email)
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